terça-feira, 24 de março de 2009

Auto-censura de Abrunhosa - Fantasia/Viagens


Na construção de uma letra e sua conjugação com a música, verifica-se quase sempre uma metamorfose de composição evolutiva. Tal como na gastronomia os alimentos, também as letras antes de “cozinhadas” estão cruas, carecem de calor e tempero. Na maioria dos casos, as letras originais quase não são letras, antes meros “lá-lá-lá”, “hum-hum-hum”, “pá-ri-pá-pá”. Depois evoluem para frases semi-completas e finalmente surge o amadurecimento que possibilita a ida para estúdio.

Assim é na generalidade das composições e o caso específico de Pedro Abrunhosa não foge à regra.

As letras das canções que compõem a discografia deste cantor/autor não representam a forma como originalmente foram escritas. Como portuense, o brejeiro – a linguagem simples e explícita do povo do norte de Portugal – surge naturalmente a cada verso imaginado e assim, toda a composição inicial revela uma poesia primária, rude e com certeza, inapropriada ao estilo que este artista defende e assume na sua obra.

É deste modo que a auto-censura faz parte do processo de escrita das letras das canções que figuram nos álbuns Viagens, Tempo, Silêncio, Momento e o mais recente Luz.

Tendo eu acesso às versões originais das letras de todas as canções já editadas em disco por Pedro Abrunhosa, irei – com a devida autorização – apresentar as mesmas neste blogue. Trata-se de material completamente inédito, perfeito para acompanhar com um saboroso e acabado de fazer chá Vascal.

Para começar, escolhi “Fantasia” - do primeiro álbum “Viagens” - uma vez que é uma das letras cuja versão final menos difere da originalmente escrita. Ah!... e como sou fixe, ainda é possível acompanhar a letra enquanto se ouve a canção aqui.

(nota: a “bold” as diferenças, entre parêntesis a letra final gravada em disco).

Tudo se passa em segredo
numa praia à beira mar,
sempre às escondidas do Alfredo (sempre em noites de céu negro),
sem espartilho a atrapalhar (sem estrelas nem luar).
O cenário é um velho hotel,
sem janelas para a rua,
sente-se o poder do gel (sinto-me à flor da pele),
e da borracha fiel (numa guerra sem quartel),
quando te pões toda nua (quando te pões toda nua).

Refrão:

Ah! Se chego ao pé de ti,
deixo logo de pensar.
Ando em louco frenesim,
só te quero devorar...
Ah! Se chego ao pé de ti.

Do sofá à alcatifa,
o teu corpo vai e vem.
Fazes-me sinal p'ra tripa (Fazes-me sentir califa)
e por mim está tudo bem (no nirvana de um harém).
Enrolada nos lençóis
endoideces de prazer,
com leite nos caracóis (arrancaste os caracóis),
dizes: "Já não posso mais",
e não paras de gemer.

Refrão

Com um grande vibrador (Com um gesto sedutor)
penetras vezes sem fim (mergulhas vezes sem fim),
gritas de desejo e dor,
nada pode ser melhor,
queres ficar sempre assim.
Pões-me a cabeça a ferver,
mais em brasa que um tição,
desejo talvez foder (chegas-me a fazer perder),
mas assim não pode ser ((isto assim não pode ser))
espero que volte a tesão (toda a réstia de razão).

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